domingo, 12 de janeiro de 2014

Intercâmbios

As escolas que visitamos confirmaram o sucesso do modelo. Não há analfabetos.

O serviço de saúde pública, mesmo com as dificuldades de toda ordem inerentes à economia que por lá também manca das duas pernas, comparado à lástima do sistema brasileiro, funciona.

O maior, porém, da nossa curiosidade se voltava para o sistema penitenciário. A ilha das atrocidades de Batista e do paredón dos primeiros anos da revolução não limpara ainda, aos muitos olhares do mundo, a má fama de indiferente aos direitos humanos.

Antes, no discurso de abertura do Congresso Internacional de Direito e Justiça, eu defendera o fim do embargo norte-americano que, passadas tantas décadas e finda a guerra fria, hoje soa ridículo.

Todo hóspede oficial tem suas limitações. A boa educação, inseparável mana da prudência, essas duas, portanto, sempre acionam freios ao livre expressar. Só não censuram o pensar, o livre pensar.

Assim, pensando livre, apenas pensando, via a agenda oficial se esvaindo  e nada de nos falarem quando iríamos conhecer o sistema penitenciário.

Quase ao final do Congresso fomos a uma recepção regada ao excelente Havana Club numa daquelas Casas de Protocolo, numa antiga vila onde morava a elite da elite endinheirada protegida da máfia acolitada por Batista.

Uma lua cheia prateando as ondas, que batiam fortemente nos rochedos das beiras, nos inspirou a uma caminhada pelo extenso calçadão do malecón - àquela hora já deserto.

A liberdade dos passos nos fez andar tanto até que um pelotão cubano, como se saísse do nada, surgiu à nossa frente ordenando - non passarón, non passarón!

Afinal, quem éramos nós ali? O Ministro da Justiça de Cuba, o Presidente da Suprema Corte de Cuba e esposas; um futuro Ministro do Supremo Tribunal Federal; Eurídice, minha mulher, e eu. Ninguém disse aos policiais quem éramos.



Não sabíamos, nós os brasileiros, que ali ao lado ficava a representação comercial dos Estados Unidos e que é o governo ilha que responde pela segurança do prédio.

No dia seguinte, no inicio da tarde, enfim, fomos levados a uma penitenciária de mulheres. Não havia nada suntuoso, tudo era funcional e prático. Lembrava um pensionato de Santa Maria Gorete, até mesmo na rígida, mas civilizada, disciplina.

Elas cuidam da horta, têm hora para o estudo orientado por uma pedagoga, frequentam a biblioteca, escrevem textos, fazem trabalhos de artesanato, tem assistência médica e dentária, convivem num ambiente socialmente sadio, sem violências e de respeito à condição feminina. As que têm filhos ainda bebês são apoiadas para dispensar-lhes ali mesmo os cuidados maternais.

As incidências maiores nos crimes que as levaram às penas a que foram condenadas são tráfico de drogas e desvios ou apropriação de dinheiro público, o nosso popular peculato. As sentenciadas por tráfico são no geral africanas ou europeias. Vi uma velhinha italiana muito alegre porque estava em vésperas de ser mandada embora por cumprimento da pena.

Ao fim, fomos levados a um auditório onde a rumba típica da ilha rolou solta. A mulherada deu um show - umas cantando, outras tocando, todas excelentes dançarinas. Nunca imaginara tanta alegria solta, aliás, presa, em Cuba.

Não sei o que lhe disseram sobre nós, mas era indisfarçável a alegria das presidiárias cubanas ante a nossa presença. Uma delas presenteou a Eurídice com uma peça de artesanato, réplica de uma das caravelas daquele navegante atrevido que saiu de Palos um dia...

No Brasil não há presos políticos. Em Cuba o sistema penitenciário, pelo que nos foi dado a entender, ressocializa não só os que metem a mão no dinheiro público, mas também, e até, os traficantes de drogas.

Ah, hão de me chamar de tolo, de ingênuo, que até acredito em alma de bigode e em Papai Noel. Mas como diria o Antônio, poeta da minha terra, Caxias – “meninos, eu vi!”

Não já importamos médicos de Cuba para cuidar do nosso falido sistema de saúde? Por que então não criar um bolsa-ressocialização ampliando-se, assim, esse intercâmbio e enviando para as modelares penitenciárias de Cuba os nossos sentenciados?

Não podendo haver presos políticos no Brasil, Pedrinhas, no Maranhão, ficaria exclusiva para os políticos presos.

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