domingo, 1 de maio de 2011

Das Inércias

Olhe aqui, amiga, amigo, esse quase sobrenatural nas coisas. 

Para variar, nuvens cinza, prenúncios de mais chuvas. Certezas de mais buracos. Mais lama visível encorpando a transparência do dia.

Há poucas horas antes deste regresso à ilha deu para ver de passagem por um desses municípios de muitas fachadas em beira de estrada um prédio em ruínas e sem portas. 

Lá dentro, o mato crescente. Do lado de fora, no frontispício em letras garrafais prateadas, imagine, o que está escrito? Poder Legislativo Municipal.

Passei um bom tempo da viagem pensando na simbologia daquilo. Gente, isso é a República de araque que eles nos impõem, a democracia de mentirinha que eles praticam para nos submeter e nos espoliar. 

Na fachada cabe tudo. Na fachada cabem todas as instituições, todas as intenções, primeiras, segundas, terceiras intenções.

Ora, pois, pois. Resmunga o gajo ao meu lado no ônibus que sacoleja, sacoleja, pára adiante, esvazia e se enche, para acolá, enche mais e lá adiante se esvazia para em seguida se encher novamente.

Quando o ônibus arranca todos nós, passageiros, somos impulsionados para frente. Mas se dá uma freada brusca somos movidos para trás. Diz-se sobre a freada brusca que é para arrumar a carga.

No Liceu me disseram que esses movimentos têm a ver com a lei da inércia. 

Não foi Newton, mas sim Galileu quem primeiro elucubrou sobre essas coisas. Disseram-me no Liceu. Muito, muito antes de Newton condensar suas observações no livro Principia Matemática, Galileu já se ocupava em curiosidades e observações sobre a inércia.

Estou falando inércia, rapaz. Sabes quando as coisas são inércia pura? É como está agora aqui. Tudo parado. Tudo parado como se uma carga de paralelepípedos houvesse desabado de um zepelim em vôo rasteiro e não aparecesse ninguém ousando arriscar sequer um olhar de alguma janela entreaberta de algum mirante só para aferir o tempo lá fora.

Tudo parado. E as pessoas com mêdo.

Aferir o tempo lá fora só para saber se ainda vem mais chuvas e então poder imaginar por quanto tempo a cidade ainda vai continuar assim alagada, esburacada, enormes tabuas de pirulitos,mas sem pirulito algum exceto, certamente, para uns poucos que nem precisam se incomodar com esse peso do inverno ou com esse inferno cotidiano que tem sido querer trafegar por necessidade de ter que ir de um lugar ao outro nesta nossa ilha do amor.

Ter que ir e ter que voltar. É certo, disse o poeta paraibano, que no caminho da volta ninguém se perde. Mas a volta se torna difícil quando se tem que encarar os mesmos obstáculos e pedregulhos vencidos a duras penas na ida. 

Melhor muitas vezes é não haver volta para não haver reencontros indesejados, para não ter que retribuir a sorrisos hipócritas, para não ter que estender as mãos limpas e não ter que lavá-las em seguida, imediatamente. 

Mãos sujas, larápias, se estendem em simulações cínicas querendo cravar alguma aposta no futuro bem aventurado que está chegando.

E eu ia lhes falar sobre a inércia por estas bandas que é tanta que não suportando mais nem a si própria desafiou a gravidade fazendo levantar em vôo um avião que é só sucata, sem motor, sem turbinas, sem piloto. 

Um avião velho, depenado, que está ali inerte há anos no ferro velho do aeroporto levantou voo de repente. Talvez só para chamar a atenção que nem mais a inércia agüenta mais tanta inércia.

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