sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Das Vacas


Indo de carro por uma estrada estreita, de mão única, pelo sertão da Paraíba, querendo chegar, o quanto antes, a Pernambuco, tinha que estar em Recife no mais tardar no começo da noite, minhas retinas tão fatigadas de pedra que nem as do poeta, flagraram mandando para o arquivo da memória a cena do homem sozinho e sua vaca.

Naquela vastidão de coisa nenhuma, tudo seco, o homem conduzia a sua vaca deixando livre o cabresto para que ela farejando algum verde pudesse estacionar  num ponto qualquer da margem da estrada numa forma qualquer de esperança de não anoitecer a fome.

O carinho quase de irmão ou de pai com filha com que aquele  homem conduzia pacientemente a sua vaca me deu muito o que pensar dali  para a frente, enquanto não se exauriu a estrada, no quanto pela estimação chegamos a nos tornar dependentes de uns certos animais.

E vice - versa.

Foi quando conclui terminativamente o quanto faz sentido aquela teimosia cearense tão bem expressa nos versos de Venâncio, Corumbá e Jota Guimarães, popularizados por Luiz Gonzaga.

(... enquanto a minha vaquinha tiver um courinho no osso e puder com o chocalho pendurado no pescoço, vou ficando por aqui e que Deus do céu me ajude, quem foge da terra natal em outro canto não pára, só deixo o meu Cariri no ultimo pau de arara...)

Conheço muita gente no Maranhão que também pensa assim. Por mais pesadas que estejam as vicissitudes despencando ameaças e desesperanças não se intimida e nem pensa em desistir, indo se embora.

Quer continuar querendo manter acesa a luta contra a usurpação que se sustenta nas artimanhas contra os iguais, na bajulação aos poderosos do momento e na venda lá fora da nossa dignidade se apresentando como sendo nossos representantes, o que em verdade, por estarem muito longe de alguma assepsia moral, em nosso nome nada representam.

Volto-me aqui para o tema deste enredo, a vaca.

Entre os israelitas, conta a Bíblia, os bois executavam muitos trabalhos na agricultura lavrando a terra, pisando o trigo, puxando carros enquanto as vacas eram poupadas porque tinham o leite a dar, e leite com mel, ó meu, era a sublimação do manjar.

Os bois, não. Trabalhavam, trabalhavam e quando já estavam exaustos eram levados às liturgias dos sacrifícios, oferecidos aos deuses e depois, obviamente e literalmente, comidos. As vacas podiam vaguear pelos campos.

Há quem entre nós por estas plagas deplore que esse endeusamento das vacas na Índia, onde são tidas como sagradas, intocáveis, e até infalíveis, tenha a partir de algum tempo e de algum modo contaminado a concepção inerente a umas certas vacas por aqui.

No bumba-meu-boi, o sacrifício final é do boi, nem se pensa em vaca. Não há um bumba – minha - vaca.

Não nos olvidamos nunca daquele sonho do Faraó, contado no Velho Testamento. E as sete vacas feias e magras comiam as sete vacas gordas e formosas, e então acordou o Faraó.

Daí que depois ocorreram dois tempos, o das vacas gordas e o das vacas magras, ou vice - versa. É sina de todo Povo. E depois das vacas magras, haja colesterol.

Para nós aqui neste Estado tão magro de tudo, exceto as burras do tesouro público que emagrecem mas não mínguam, eu nem sei se vale a pena esperar a passagem do tempo nessa ordem de substituições.

Estou certo que o melhor a fazer é não ficar contando com vaca nenhuma, nem a do momento, nem a que possa estar por vir.

Pelo que prefiro a conclamação de Amós, Capitulo 4, Versículo 1 – Ouvi esta palavra, oh vacas de Basã, que estais no monte de Samária, que oprimis os pobres, que esmagais os necessitados...

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Vidigal:
Vacas de Basã... esta é ótima.
Agora imagine a seguinte figuração: aquela mesma vaca sobre a qual iniciastes o texto, em vez de ser num lugar qualquer, que seja em Irauçuba, depois de Sobral para quem está indo para Fortaleza. Naquele lugar, até cobra verde muda de cor. O camaleão, gostoso quando se come de um dia para outro, mudar de cor até que se compreende, haja vista que o bicho se alimenta de folhas verdes e a clorofila o mantém naquele tom. Mas, comendo apenas gravetos secos, cobras-de-cipós, folhas caídas no chão, o bichinho, para quem apenas o admira, fica mesmo é cinzento.
Pois então imagine aquela tua vaca (a do texto) sendo conduzida pelo vaqueiro para lugar nenhum e em busca de verde nenhum, chegar no curral, chocalho batendo mais fraco do que a passarinha da dita cuja, ainda ter que "amamentar o bezerro". Com qual leite?
E as vacas daqui, não têm nem mais o leite americano do FISI que por alguns anos fez a política de subserviência do Brasil aos Estados Unidos.
Mas, como vaca é vaca em qualquer lugar, ela dá sempre o jeitinho, digo, o leitinho dela.
Se tu ainda não sabes, em Morros, existe uma reunião familiar todos os anos feita pela família Muniz. Muniz Abreu, Muniz Coimbra e daí por diante. O somatório chega a quase mil componentes todos os anos, em virtude das ramificações aderentes. Pois, depois de realizar a travessia do rio Munim por alguns anos, as "caixeiras" resolveram criar a sua própria brincadeira.
Pois bem. É a VACA, uma brincadeira onde o boi, digo, bicho HOMEM, não entra. As caixeiras foram transformadas na orquestra. Hoje todas já se assumiram como brincantes da VACA de Morros. Não confundir com o Boi de Morros, onde o Lobato (da família Muniz Lobato) é o amo.