segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Calcanhoto

Aquilo parecia já lhe incomodar há algum tempo.

Nas caminhadas matinais, na Península dos Ministros, quando vez por outra nos encontramos, às vezes conversamos, outras vezes não, ela anda sempre rodeada, e eu sei que ela não gosta de gente no derredor, aquele é o seu momento de privacidade, e o meu passo é rápido, por isso só dou linha quando ela acena algum vento, nas caminhadas matinais dava para ver o quanto aquilo por alguma razão lhe incomodava.

Outro dia, Eurídice e eu, mudamos a hora da caminhada para o fim da tarde.

Aquilo de cruzar com ela e um dia receber do seu sorriso um bom dia irradiante e outro dia um bom dia técnico, seco como de quem faz favor, aquilo estava me parecendo constrangedor.

E por que diabos não evitar aqueles encontros incômodos, desagradáveis, mudando o horário?

Foi o que fizemos, mas no primeiro entardecer nos reencontramos de novo e ela aflorou um cumprimento tão alegre e parecia tão feliz, e não se dando conta de que a noite já derramava seu véu turvo sobre as arvores e as águas do Paranoá, sapecou-nos um sonoro boom diiia!

Começava a escurecer mas deu para ver que nem o chapéu o usava mais. Ostentava apenas um lenço de seda protegendo a cabeça que até lembrava essas lindas iranianas de Goiás, mas que estava mais para aqueles lenços que o Cazuza popularizou cantando no Fantástico.

(Ideologia, eu quero uma pra viver! Meus heróis morreram todos de over dose, os meus inimigos estão no poder...)

Aquela peruca tipo capacete da segunda guerra mundial não apenas lhe metralhava a suavidade do olhar, mas também lhe instaurava uma severidade que parecia tornar órfãs de afeto as flores tenras do cerrado e as mangas maduras e ainda não caídas.

Naquele entardecer à beira do lago, sem aquele apetrecho na cabeça, ela já ensaiava seu namoro de volta à sua identidade natural.

E agora ela manda dizer que não está mais com paciência para ordens dos marqueteiros que não desistem em fazê-la uma pessoa simpática ao povaréu, mesmo quando seu humor não está a fim.

Hoje à tarde Dilma tirou a peruca e passou a andar do jeito que é, como sempre foi, e agora com o penteado que lhe é possível depois do sofrimento da químio. Na fotografia parece mais feliz e mais leve e até mais suavemente gaucha, um pouco de Elis Regina, talvez um pouco de Adriana Calcanhoto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ola Ministro Edson Vidigal (MEV), boa tarde, boa caminhada!
Dizem que, quando o trem sai da linha, descarrilha. É isso?!
Até alguns santos tiveram seus momentos de infelicidades. Serias anormal se não os tivesses. E tu, Ministro, descarrilhastes agora mesmo, ainda que de forma figurada, comprar Dilma - uma pessoa que aceitou imposições midiáticas para tentar esconder o tratamento de um linfoma - e parecer para o povo a figura que não é - com a "Deusa" Elis Regina (Upa neguinho na estrada, upa pra lá e pra cá... começando andar, começando andar! Ou "quando olhastes bem nos olhos meus...logo vi que o teu olhar era de adeus...! ou ainda "... é pau é pedra, são as águas de março fechando o verão...!). Não tem nada parecido. Claro, entendo, fizeste uma comparação figurativa.
E, depois, tu Ministro, deves saber que Elis Regina não era "apenas uma cantora". Ela era muito politizada e, se assim não fosse, não cantaria as músicas de protestos que cantou só para gravar vinil e ganhar dinheiro. O meio em que vivia era muito politizado (Tom Jobim, Chico Buarque, Vinícius, Paulo César Camargo, Miéle, Ronaldo Bôscoli, e tantos outros). E da Dilminha, poucos sabem muito pouco, além de que teria sofrido um castigo na fase áurea do AI-5. Depois, se o Lula não a tivesse arrastado pelo braço e a transformado em Ministra, ela certamente estaria onde estão muitos outros que viveram aquela época que não queremos mais reviver. É como algumas figurinhas daqui: quando Don Corleone bater as botas, vão viver de quê? Abraços.

João Augusto disse...

Realmente a imagem de cera parece ter derretido tal qual as asas do mitológico Ícaro, parece-me que é parecido com a imagem fabricada que fizeram de Fleury para que este sucedesse Quércia no Gov de SP, lá funcionou e quem "pagou o pato" foi o povo e o próprio Quércia que ficou atrelado ao Gov de seu sucessor.