sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ensaio Sobre a Feiúra

Quando a auto-estima sobe um pouco além dos percentuais admissíveis, ninguém é feio, todo mundo é bonito, quer ser bonito, estar bonito, sair bonito ainda que o seja apenas na foto.

Um antigo apresentador de um programa de rádio de muito sucesso nestas paragens tinha um bordão – urubu e mulher feia, comigo é na pedrada! Muita gente achava graça. Menos eu, que achava aquilo uma agressão.

Minha sentença é que não existe mulher feia, pois tudo se resume a uma questão de ângulo no olhar.

A feiúra é um fenômeno decorrente da maneira como se olha e da reação silenciosa e escondendo segredos de quem é olhado. Tudo se resume a uma questão de saber se o santo cruzou ou não.

É um processo de interação visual em que a sensibilidade de um pode captar ou não no outro um sintoma diferente mínimo que seja, mas irradiante de sossego limpo, alguma pureza, alguma paz.

Acho graça quando uma criança, contrariada, reage com o único insulto que na idade da sua razão lhe ocorre – sua feia! Ou então – seu feio! Imputar feiúra é o máximo que lhe ocorre na contumélia.

Humberto Eco, aquele do Nome da Rosa, um livro sobre o qual muita gente fala ainda hoje, sendo poucos os que realmente o leram, num estudo alentado sobre a feiúra, distingue o belo do feio relacionando sinônimos.

Então, ele lembra que belo é o gracioso, prazenteiro, atraente, agradável, garboso, delicioso, fascinante, harmônico, maravilhoso, encantador, magnífico, estupendo, excelso, excepcional, fabuloso, legendário, fantástico, mágico, apreciável, espetacular, esplêndido, sublime, soberbo, e haja dicionário de sinônimos.

Já o feio, coitado, é o asqueroso, repelente, horrendo, desagradável, grotesco, abominável, vomitante, odioso, indecente, imundo, sujo, obsceno, repugnante, assustador, abjeto, monstruoso, hórrido, horrível, horripilante, nojento, terrificante, monstruoso, repulsivo, nauseabundo, fétido, ignóbil, desprezível, indecente, deformado.

Entende por que ninguém quer ser feio? É muito injuriante chamar alguém de feio, em especial a uma mulher.

Lógico que todo mundo é bonito, até porque se formos avaliar só pelas aparências, pelas estéticas, não estamos com nada, inclusive porque, esta é a grande verdade, - quem ama o feio, bonito lhe parece.

A feiúra não está nas estampas, é enrustida, nunca quer se mostrar, se aloja nos corações gelados e nas mentes perversas.

Associar a feiúra, só porque está no gênero feminino, a uma bruxa ou a beleza a uma fada é restringir demais, a quase nada, a condição humana.

A feiúra não se afere pela aparência física de uma pessoa, mas pelas suas atitudes, quando resultam em coisas feias.

Assim, mulher só é feia quando se ocupa em se mostrar bonita, mas se entregando em seu tempo de poder, se tem poder, a cometer feiúras, a fazer coisas decepcionantes, grosseiras, medíocres, que só envergonham, tripudiando sobre os indefesos, sendo arrogante e indiferente com o coletivo.

O que me chama mais atenção é a feiúra das ações e menos a aparência física fora do esquadro ou da sincronia com a partitura dos padrões estéticos.

A verdade, oh camarada, amiga, amigo, é que faz tempo não tínhamos em derredor e ao alcance das vistas tanta gente feia, e me explico - feia porque fazendo coisas feias, fétidas, nojentas, desonestas, repugnantes, indecentes, estúpidas, cruéis, decadentes, obscenas até, e de liturgias tão anacrônicas.


 

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