sábado, 4 de julho de 2009

A Crise Secreta

Quem repõe em sua inteireza os fatos, tão ultimamente deturpados em argumentos da defesa que poucos ainda fazem em favor de Sarney, é a sempre lúcida Dora Kramer.

A sensatez de Dora lhe dá a isenção na análise necessária, o que lhe garante credibilidade.

É assim com esses predicados que ela chama a atenção hoje, em sua coluna no jornal O Estado de São Paulo, para as alucinações sofistas com que os interessados em passar a mão querem, subestimando a verdade, esconder a crise inseparável de uma pessoa da crise que é generalizada, e bem antiga, que é a crise do Senado.

Tanto a pessoa quanto a instituição, resumem a crise, sim. Ambas merecem tratamento para o qual há prescrições distintas.

Sarney, se não quer renunciar, deve ser tirado. A não ser que prefira continuar na UTI política, a moral lá embaixo, sua biografia no ocaso da vida enodoada, respirando por aparelhos.

Já o Senado pode e deve ser renovado, sim, nas eleições do ano que vem totalmente em seus 2/3. Para Senador, cada eleitor terá direito a dois votos.

A renovação dos 2/3 do Senado não se traduzirá simplesmente pela troca de pessoas, mas principalmente pela assunção de novos senadores com moral nova, ética nova, lógica nova, disposição nova para um novo trabalho.

Todas essas novidades terão que ser capazes de reduzir as despesas do Senado à metade, acabando com privilégios para que, enfim, imposta a moralidade na administração, se resgate o respeito da Nação brasileira ao Parlamento.

O que você vai ler a seguir é o artigo de Dora Kramer.4

"Acabou-se o que era doce

O PT e o governo usam um bom argumento para defender o presidente do Senado. José Sarney, de fato, não é o único culpado - não obstante seja o maior responsável, até por força do cargo - pelos desmandos que tampouco serão sanados por obra e graça de uma simples renúncia.

Fosse só essa a história, seus defensores teriam razão. Mas, como insistem em se apegar a uma parte e ignorar da missa a outra metade, sofismam e se escoram numa meia-verdade.

Há a crise do Senado. Mas há também a crise José Sarney, materializada no acúmulo de acusações, fatos e suspeições que pesam contra o presidente da Casa.

A última descoberta dos repórteres de o Estado dá conta da omissão de uma casa avaliada em R$ 4 milhões da declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral quando do registro da candidatura de senador em 1998 e 2006.

Lembra o ato que provocou, no início do ano, a demissão do diretor-geral do Senado Agaciel Maia, por ocultação da Receita Federal de uma casa no valor de R$ 5 milhões.

A penúltima revelação do jornal mostrou que a empresa de um neto de Sarney atuava na intermediação de operações de crédito consignado para funcionários do Senado. Esquema sob investigação de Polícia Federal, no qual operava também uma empresa do ex-diretor de Recursos Humanos do Senado João Carlos Zoghbi.

Anteriormente haviam sido descobertas diversas contratações de parentes e agregados de Sarney em gabinetes de senadores amigos. Paralelamente às informações sobre nepotismo - cruzado ou linear -, apareceu o pagamento de um auxílio-moradia ao senador. Irregular, pois, além de possuir imóvel em Brasília (aquela casa de R$ 4 milhões), como presidente Sarney tinha direito à moradia oficial.

Todas as acusações foram negadas. A omissão do patrimônio, o presidente do Senado atribui a um erro do contador. Desmentido, reformulou a versão, numa prova da fragilidade da explicação.

As atividades do neto, segundo ele, nada têm a ver com o avô influente.

O auxílio, em princípio, Sarney disse desconhecer. Mas, diante da comprovação material, pediu desculpas, alegou de novo total falta de ciência sobre a existência daqueles R$ 3.800 todo mês na conta bancária, e parcelou a devolução.

A contratação dos parentes José Sarney considera "questão menor", embora não a defenda, conforme defendeu o uso de quatro agentes de segurança do Senado na vigilância de suas propriedades em São Luís do Maranhão, para ele uma "função normal" a serviço de "qualquer senador".

Um amontoado de explicações que, apenas pela necessidade de serem reformuladas, já não seriam dignas de crédito absoluto. Se as informações são passíveis de verificação, tal análise não pode ocorrer sob a subordinação hierárquica do principal acusado.

É um pressuposto básico.

Tão evidente que Sarney e seus aliados dificilmente encontrarão argumentos convincentes para se opor à imposição da realidade. Ainda assim, a tendência é a da insistência na argumentação falsa.

Uma opção boa para quem não tem nada a perder. Por exemplo, o senador Renan Calheiros, que manipulou a vaidade e as necessidades familiares de Sarney para reconquistar o poder.

Perdidos o prestígio e a reputação no escândalo do uso de um lobista para pagamento de despesas pessoais, no curso do qual também apresentou provas falsas de inocência ao Senado, Calheiros fez de Sarney seu cavalo de troia.

A bordo dele, pinta e borda nos bastidores. Blefa, dizendo que do apoio do PT depende o apoio do PMDB à candidatura de Dilma Rousseff, e se vale da indiferença do presidente Lula por outro tema que não seja eleição, para alimentar a versão de que a estabilidade institucional do Brasil está na mão do partido.

Acredita quem quiser se iludir. O que, até por experiência, não deveria ter sido de Sarney antes de perder tudo: da reputação refeita nos últimos anos à chance de produzir uma saída mais ou menos honrosa.

Quando desconheceu o momento certo de sair de cena, Sarney deixou aberto o espaço para ser afastado dela".

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