terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A Paz Entre As Feras

A noite desce um manto frio impondo aconchego mas sendo de vidro a janela do quarto dá pra ver, sem esforço, uma banda da lua por trás dos galhos brancos dos carvalhos.

Os galhos dos carvalhos estão brancos por causa da neve. Parecem até ressequidos como as aroeiras nas caatingas. Mas amanhã, depois que o sol chegar, você vai ver.

Na sala, no andar de baixo, há um cão valente com quem chega, amoroso com sua dona, que não parece se intimidar com os tigres lá fora.

Os tigres são até simpáticos e dá para vê-los bem de perto, separados pelo vidro temperado da porta, é claro. Não se sabe como aconteceu, mas de há muito que um gato, talvez da vizinhança, se juntou aos tigres e se comporta no meio deles como se fosse um deles.

A ração de gato e cachorro é atirada todo fim de tarde no jardim, próximo à janela. Os tigres chegam com a noite, e com eles, o gato camarada, todos atraídos pelos cheiros de peito de frango, de bife de ovelha, que essas rações industrializadas exalam.

Os tigres e o seu parente felino, o gato enxerido, parecem gostar da ração que é tanta e se esparramam na grama, preguiçosamente.

Alguém sabendo que a dona da casa, uma viúva morando só, era alvo fácil para alguma maldade imaginou que poderia adentrar fácil, fácil, à noite.

A história dos tigres vigias irrompeu no tempo como um incêndio nas montanhas e planícies da Califórnia, o mundo todo ficou sabendo.

Confusão com os ambientalistas? Nenhuma. Não há cativeiro. Os tigres e o seu parente felino, o gato enxerido, nem foram amestrados. Não são forçados a serem vigias noturnos. E se trabalham, não é de graça

Vão lá toda noite atraídos pela comida e depois, bem alimentados, não incomodados, demarcam com a urina o seu latifúndio no jardim e se deitam. Quem é doido de se aproximar?

Antes da chegança do dia, vão-se os tigres e o seu parente felino, o gato enxerido. O sol agora, aos poucos, libera da neve os galhos dos carvalhos.

Vão chegando os veados e os pica-paus. Eles habitam aquilo tudo com a naturalidade de um arroio que desce um canyon e não se dilui e não se perde na imensidão das grotas.

Os veados parecem indefesos, tem o olhar tenro e são muito ligeiros nas corridas. Os pica-paus são operários incansáveis. A gente, talvez pela influência do desenho animado, se surpreende com o tamanho deles. Não são daquele tamanhão.

Os pica-paus escolhem entre os carvalhos o que está quase sem verde, portanto quase morrendo. No tronco, uns vão fazendo furos, outros vão trazendo no bico, não se sabe de onde, os grãos que eles guardam, bem ajustados, naqueles buraquinhos.

Ali, no tronco quase broco do carvalho mais velho, os pica-paus prudentemente se capitalizam. Na hora da crise, eles sabem muito bem para onde voar.

De fato, o sol derrama luz e calor, não aquele calor de Cuiabá ou de Teresina, mas o calor na medida só para aquecer as plantas, ajudar a florirem as orquídeas, a exalarem os hortelãs e os alecrins, a derreter a neve nos galhos dos carvalhos, a incitar aconchegos e práticas de amor.

E os ursos? Falaram que por estas montanhas tem muito urso. Tem. Outro dia houve um casamento no clube do condomínio e quando menos se esperou, no meio da festa, apareceu um urso, um bear.

As pessoas já estão acostumadas, e até acham graça. O urso se enfronhou no meio das pessoas, não incomodou ninguém, foi direto à mesa dos salgadinhos e passou as patas no bolo da noiva e saiu comendo.

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